segunda-feira, 18 de julho de 2022

Número de adolescentes que dizem não ter amigos cresce no país, aponta pesquisa

 


O número de adolescentes entre 13 e 15 anos que dizem não ter amigos cresceu no Brasil, de acordo com um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números fazem parte da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE – divulgada na última quarta-feira (13). O problema atinge 3,2% dos estudantes das escolas públicas e particulares do país. Mas o Distrito Federal superou a média nacional: em Brasília, entre 2012 e 2019, o índice passou de 3,2% para 4,4%. O levantamento aponta que a tendência afeta mais as meninas e os estudantes da rede pública.

 

Especialistas ouvidos pelo g1 destacam os motivos e as consequências desse cenário para a saúde mental dos adolescentes. Para Ricardo Barros, professor de psicologia do Ibmec Brasília, a tecnologia leva parte da culpa pelos resultados apresentados no levantamento. “Todo esse aparato tecnológico do século 21 tem funcionado como algo que tem roubado nossa atenção. A primeira atenção que sequestra é a no outro”, diz o professor.

 

Para Barros, as pessoas encontram “satisfação” ao interagir com as mais variadas tecnologias. “No fundo, estamos todos viciados. É um fenômeno sociocultural que está em todas a gerações”, aponta. A analista do IBGE Michella Reis diz que a relação dos adolescentes com a família chama atenção. Segundo ela, houve uma redução no número de responsáveis que acompanham as atividades e escutam os filhos. “Esse é um fator que contribui para o aumento de comportamentos de risco, porque a família é base. É a família que orienta esses adolescentes”, diz a analista.

 

Quando a solidão, que Barros define como uma epidemia mundial, entra na equação, ela passa a prejudicar as relações futuras dos jovens. “Não fomos feitos para sermos solitários. Fomos feitos para conviver em redes”, aponta o especialista. Para o psicólogo, a sociedade está desaprendendo a conviver com o próximo e o resultado é o aumento de agressões e reações negativas ao comportamento do outro.

 

“NESSE TIPO DE CULTURA, DE ESTRANHAMENTO COM O OUTRO, A GENTE VAI FICANDO MUITO REATIVO A CONSTRUIR E MANTER PONTES RELACIONAIS”, DIZ O PSICÓLOGO.

 

A saúde mental é a primeira a sofrer com a escassez de relações. Segundo Barros, quatro hormônios são produzidos pelo corpo durante as interações sociais: ocitocina, dopamina, endorfina e serotonina, considerados os hormônios da felicidade. Para uma pessoa solitária, há déficit na produção.

 

 

Meninas são maiores vítimas

O levantamento aponta que as meninas são as principais vítimas da solidão. Entre elas, o índice variou de 1,8% para 5%, em 7 anos. Entre os meninos, a tendência é oposta: o total que diz não ter amigos caiu de 4,9% para 3,8%. Para o psicólogo Ricardo Barros, a inteligência emocional do feminino pode afetar as relações com o outro, a partir do momento em que, para as mulheres, seria mais fácil “perceber os ambientes onde há falta do espaço de diálogo”. O professor explica que, nesses casos, as mulheres se fecham para as relações.

 

A analista Michella Reis destaca a interferência da imagem corporal para a autoestima dessas meninas e, consequentemente, para a habilidade de se relacionar em grupo e serem vistas. Segundo a pesquisa do IBGE, no Distrito Federal, quase um terço dos estudantes entre 13 e 15 anos se consideram magros ou muito magros. Na outra ponta, 29% das estudantes se consideram gordas ou muito gordas. Para Michella, padrões de beleza impostos pela sociedade e o patriarcado contribuem para essa insatisfação.

 

“AS MENINAS TÊM SEMPRE UMA IMAGEM CORPORAL PIOR QUE A DO HOMEM. ELAS SOFREM MAIS BULLYING, SE SENTEM MAIS GORDINHAS”, AFIRMA A ANALISTA.

 

Escola pública x privada

 

A pesquisa do IBGE aponta ainda que a diferença é maior quando o comportamento é comparado entre a rede pública e a rede privada:

 

Escolas públicas do DF: 5,6% dos adolescentes dizem não ter amigos

Escolas particulares do DF: 0,7% dos adolescentes diz não ter amigos

 

O psicólogo Ricardo Barros afirma que o desenvolvimento das relações requer instâncias que nem sempre estão presentes em ambientes de maior vulnerabilidade social. Ele lembra que a realidade entre os estudantes dos colégios públicos e privados é muito diferente.

 

“TEM ALUNO QUE SAI DA ESCOLA E VAI PARA O TRABALHO, TEM ALUNO QUE VAI COM FOME, QUE TEM RISCO SOCIAL”, APONTA O ESPECIALISTA.

 

Quanto maior a vulnerabilidade, mais difícil “criar amizades”, explica o professor de psicologia. “Quanto mais inseguro e amedrontado, mais a gente se fecha porque a gente tem medo”.

 

A falta de acesso ao esporte, a arte e a cultura também interferem, diz ele.

 

Há solução?

 

Para o professor, há solução para o cenário apontado pela pesquisa do IBGE. Mas ela passa pelo trabalho coletivo ente escola, família e sociedade.

 

“PODEMOS REAPRENDER A SOCIALIZAR, MAS DEPENDE DA FAMÍLIA, DAS INSTITUIÇÕES, DA ESCOLA, DO TRABALHO. EMPATIA, CONVIVÊNCIA, RELACIONAMENTO SAUDÁVEL, TUDO ISSO PODE SER ENSINADO.”

 

Políticas públicas que incentivem a criação de espaços de recreação também são importantes, aponta o psicólogo. Além disso, segundo ele, as famílias e os ambientes em que estão inseridas podem estimular a convivência com o outro. A analista Michella Reis destaca a importância de estar atento à saúde mental dos adolescentes. “Eles estão em processo de desenvolvimento físico e mental”, afirma. Para ela, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar reforça a importância da presença de profissionais de saúde que acompanhem os adolescentes em ambientes escolares.

 

“A CRIANÇA E O IDOSO SÃO MUITO VISTOS, MAS O ADOLESCENTE AINDA É POUCO TRABALHADO.” (CONTEÚDO G1)

 

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