Em janeiro deste ano, o menino Carlos Eduardo,
14, de Curitiba (PR), teve diagnóstico de Covid-19, juntamente com toda a
família. O adolescente apresentou o quadro mais leve, apenas com dor de
garganta e febre baixa. Em maio, o garoto começou a ter tremores como se fosse
uma convulsão. Dias depois, passou a ter febre, muito cansaço, dor estomacal,
diarreia e diminuição da força nas pernas.
“A gente pensou que fosse bullying, problema na
escola, ele entrou no ensino médio, está mais puxado”, conta a mãe, a
enfermeira Mara Neiva Nunes Machado. Depois de passar por dois pediatras, veio
um possível diagnóstico: Covid longa, possivelmente exacerbada por uma nova
infecção viral pelo H1N1. Depois de medicado, o menino passa agora por uma
série de exames. “Ele já começou a melhorar, o cansaço está diminuindo”, diz a
mãe.
Carlos não é exceção. Cada vez mais há um
acúmulo de evidências científicas sobre os efeitos da Covid longa também em
crianças de todas as idades. Uma das mais amplas pesquisas sobre esse impacto
foi publicada no mês passado na revista The Lancet Child & Adolescent
Health.
O trabalho avaliou dados de 44 mil crianças na
Dinamarca com idades entre zero e 14 anos, das quais 11 mil tiveram diagnóstico
de Covid-19 entre janeiro de 2020 e julho de 2021. Dados de crianças que
tiveram a doença (com confirmação de PCR) foram comparadas com as que não
tiveram. Ambos os grupos tinham semelhanças em idade, sexo e prevalência de
comorbidades preexistentes.
Os resultados mostram que os sintomas variaram
de acordo com a faixa etária da criança. Entre zero e três anos, 40% das
crianças que tiveram diagnóstico positivo para Covid apresentaram ao menos um
sintoma após dois meses ou mais da infecção (contra 27% do grupo controle), na
faixa etária entre 4 e 11 anos, 38% (contra 33,7%) e entre 12 e 14 anos, 46%
(contra 41%).
Entre as crianças até três anos, alterações de
humor, erupções na pele e dores de estômago foram os sintomas mais comuns. No
grupo de 4 a 11 anos, além de alterações de humor, foram relatadas dificuldade
para lembrar ou se concentrar e lesões na pele. Entre 12 e 14 anos,
mencionaram, principalmente, fadiga, alterações de humor e dificuldades de
memorização e de concentração.
Segundo os pesquisadores, embora os sintomas
associados à Covid longa sejam queixas gerais que as crianças podem
experimentar mesmo sem a doença —como dores de cabeça, alterações de humor,
problemas estomacais e cansaço—, aqueles que receberam o diagnóstico de
infecção pelo coronavírus eram mais propensas a ter sintomas.
Ainda não está claro o percentual de crianças
que pode desenvolver sintomas prolongados da Covid e por quanto tempo eles
podem durar. Outros estudos menores já encontraram taxas entre 30% e 50% de
Covid longa na população infantil, condição que pode afetar até quem teve casos
leves da infecção, como Carlos Eduardo. Não há testes específicos para a Covid
longa.
O pediatra Victor Horácio da Costa Souza
Júnior, infectologista pediátrico do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba
(PR), a maior instituição pediátrica do SUS no Brasil, diz que, em geral, as
crianças atendidas com Covid longa têm tosse persistente, às vezes sem febre, e
muitas já apresentavam comorbidades antes da Covid —eram transplantadas ou
tinham doenças neurológicas, por exemplo.
Souza Júnior diz que a hipótese é que, com a
variante ômicron e sua intensa transmissibilidade, os pacientes têm ficado com
uma carga viral alta por mais tempo no organismo. Isso pode induzir o sistema
imunológico a produzir anticorpos por muito tempo, produzindo uma espécie de
autoagressão em vários sistemas do corpo.
“No sistema musculoesquelético, o paciente
sente fraqueza, dor muscular; no sistema nervoso, formigamento, diminuição da
força; no sistema respiratório, uma tosse seca persistente e cansaço; no
sistema vascular, pode fazer trombose; no cérebro, ansiedade e depressão.” O
Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo acompanha desde o
início da pandemia um grupo de crianças que teve Covid e vários estudos estão
em andamento para entender o impacto da infecção no público infantil.
Um deles, já publicado, mostra que quatro em
cada dez crianças e adolescentes continuavam com os efeitos prolongados da
Covid nas 12 semanas seguintes à infecção. Entre eles, dor de cabeça (19%),
cansaço (9%), dispneia (8%) e dificuldade de concentração (4%). Dores
musculares e nas articulares, além de má qualidade do sono, também foram
relatadas (4%).
Desse total, um quarto das crianças continuou
tendo pelo menos um dos sintomas após 12 semanas e foi classificado como tendo
Covid longa, segundo o pediatra Clóvis Artur Almeida da Silva, professor
titular de pediatria da USP e coordenador dos estudos.
Um outro estudo avaliou o impacto da Covid na
qualidade de vida, comparando crianças e adolescentes que tiveram diagnóstico
de Covid (53), comparando os que não tiveram (52). Ambos os grupos, formado por
crianças que são acompanhadas no instituto e que, portanto, já têm
comorbidades, tinham perfis parecidos.
“Tanto os domínios físicos (como mobilidade)
quanto os escolares (aprendizado, por ex.) foram mais afetados entre os que
tiveram Covid em comparação as que não tiveram”, explica Silva. Outro estudo
mostrou que entre as crianças que tiveram síndrome inflamatória multissistêmica
pediátrica (SIM-P), em razão da Covid, continuaram com alterações nos vasos
sanguíneos que nutrem o músculo do coração.
“Isso terá impacto na vida do paciente, na
saúde pública e na pediatria. Vamos ter que acompanhar esses pacientes com
cuidado. Covid é uma doença que pode gerar sequelas a médio e longo prazo para
essas crianças. Por isso, é extremamente importante a vacinação”, diz o médico.
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