terça-feira, 8 de junho de 2021

Banco Central é alvo de críticas por excesso de transparência

 


Por muito tempo, o Banco Central (BC) foi chamado de caixa preta. Ultimamente, porém, as queixas são por excesso de transparência. Operadores e analistas do mercado reclamam, de forma reservada, da sinalização explícita sobre o rumo dos juros no médio prazo.

As críticas chegaram aos ouvidos do BC, que resolveu responder. “Achamos que a transparência é importante”, disse o presidente do BC, Roberto Campos Neto, num evento recente. “Os ruídos que a transparência causa são curados com mais transparência, não com menos.”

O que incomoda é que, desde a sua reunião de março, o Comitê de Política Monetária (Copom) vem indicando um ajuste parcial da taxa de juros, ou seja, a manutenção de algum grau de estímulo monetário ao final deste ano. Há grande chance de a sinalização acabar neste mês, mas a polêmica segue.

O argumento central dos que reclamam do excesso de transparência é que o BC não consegue prever com muita exatidão o que vai fazer seis meses adiante. Assim, apenas sinaliza fraqueza ao se apegar antecipadamente a um cenário de menos alta de juros. Isso, segundo esse raciocínio, levou a uma maior desancoragem das expectativas de inflação. “O mau uso da transparência acaba sendo contraproducente”, afirma um economista do mercado.

Nas últimas décadas, os bancos centrais caminharam do segredo quase absoluto das suas operações para uma transparência crescente. O ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o BC americano) Alan Greenspan se orgulhava por ser opaco nos seus pronunciamentos. No Brasil, até a criação do Copom, em 1996, o Banco Central dizia que se comunicava pela sua mesa de juros.

“A transparência ajuda na política monetária”, afirma o economista José Julio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre-FGV. “Quando o participante do mercado entende o que o banco central está fazendo, antecipa os movimentos, já caminha na direção desejada.”

Senna reconhece que há uma dosagem ótima para a transparência, que, se for ultrapassada, poderia ser contraproducente. Mas pondera que a sinalização de ajuste parcial dos juros foi correta – as críticas, segundo ele, devem-se a um mau entendimento em setores do mercado sobre o que foi de fato sinalizado pelo BC.

Para ele, o Banco Central não assumiu um compromisso imutável com um ajuste parcial de juros. Na verdade, disse que, com o cenário traçado na última reunião do Copom, incluindo projeções de inflação e balanço de riscos, antecipava um ajuste parcial de juros.Isso é parte do regime de metas de inflação, que especialistas chamam de “inflation forecast targeting”, ou mirar as projeções de inflação. “Se as coisas mudarem até lá, o Copom fará diferente.” O Copom, ressalta o economista, comprometeu-se a fazer o que for necessário para cumprir a meta de inflação.

O economista-chefe da Órama, Alexandre Espírito Santo, cita um dos grandes teóricos de política monetária, Alan Blinder, que defende a transparência em um livro clássico sobre a operação dos bancos centrais. “Sistemas de metas de inflação, por essência, necessitam de transparência”, afirma. “Agora, o ponto exato é difícil afirmar.” No caso atual, diz, a comunicação do BC deixa espaço para adequar a sua ação a riscos inflacionários, que ele vê como crescentes.

Um especialista em política monetária diz que há limites para a transparência, dadas as complexidades de operar a política monetária no mundo real, sobretudo a dificuldade de os mercados entenderem mensagens cheias de nuances e de ressalvas sobre incertezas. Mas, para ele, no caso da sinalização de ajuste parcial, o problema não foi exatamente a sinalização em si. “Grande parte do mercado não gosta ou concorda com a leitura do BC sobre o cenário prospectivo – e reclama por isso.”

Uma discussão viva é sobre a diferença entre transparência e explicitude nas decisões futuras de política monetária. Transparência é abrir dados, projeções, toda a sorte de informações. Outra coisa é ser explícito sobre a trajetória futura dos juros, que os agentes do mercado, inevitavelmente, entendem como compromisso. O Banco Central enfrenta um equilíbrio delicado: na medida em que esvazia o caráter de compromisso da trajetória de juros, dilui-se o efeito pretendido de influenciar a visão do mercado sobre qual será a trajetória dos juros no futuro.

A confusão que setores do mercado fazem entre compromisso e sinalização condicional não é nova. Em março de 2018, o Banco Central, na gestão Ilan Goldfajn, começou a ser mais transparente sobre os passos futuros, e deu uma sinalização condicional de um corte de juro de 0,25 ponto percentual para a reunião seguinte. Mas, como o cenário ficou menos positivo, manteve o juro inalterado em 6,5% ao ano – e sofreu críticas por não cumprir o seu “compromisso”.

Em entrevista ao Valor na época, Ilan explicou a comunicação do BC. “Estou querendo ir na direção de bancos centrais mais maduros. Eles divulgam a trajetória esperada de juros, e não só da inflação. Há um entendimento de que um “guidance” [sinalização para os juros] muda se as condições mudam. Estávamos tentando fazer a mesma coisa, com um pouco menos de ambição. Estávamos tentando dizer isso para a próxima reunião, para as próximas duas reuniões.”

De lá para cá, o BC passou a sinalizar seus passos mais imediatos, mas isso não gerou ruído. Em março, disse que subiria os juros em 0,75 ponto na reunião seguinte, de maio; em maio, voltou a sinalizar 0,75 ponto para o encontro subsequente, neste mês. O que gerou confusão, agora, é a sinalização mais de médio prazo, com foco no fim do ano.

Esse aprendizado, que ocorre ao longo do tempo, é que está por trás da aposta de Campos Neto na ampliação de transparência, mesmo com custo de ruídos.

 

Valor

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