Quinze por cento dos brasileiros já vacinados
receberam o imunizante fora de seu município de residência e se deslocaram em
média por mais de 250 quilômetros para fazer isso, segundo o boletim mais
recente do Monitora Covid-19, do ICICT (Instituto de Comunicação e Informação
Científica e Tecnológica em Saúde) da Fiocruz. De acordo com o levantamento, o
porcentual varia de 11% a 25% entre os municípios e reflete a descoordenação do
PNI (Programa Nacional de Imunização) em todo o País.
Para especialistas, a disputa supostamente “do
bem” entre governantes e a antecipação dos calendários vacinais em alguns
municípios sobrecarregam os sistemas de saúde e provocam deslocamentos
desnecessários, que podem ajudar na disseminação do vírus. Para os cientistas,
a disputa é meramente política e não traz benefício.
“O ideal é que cada pessoa se vacine em seu
município, de preferência no bairro onde mora”, diz o pesquisador Raphael
Saldanha, do Monitora Covid-19. “Mas o sistema de saúde funciona em rede e as
pessoas podem se vacinar em qualquer lugar. Elas não estão infringindo nenhuma
lei.”
Segundo o boletim, a tendência começou a ser
notada em maio e deve agravar-se nos próximos meses, no ritmo que os municípios
anteciparem faixas etárias e grupos populacionais para receber o imunizante,
trazendo risco, até, de escassez de segunda dose.
Até agora, segundo a nota técnica, 11,3 milhões
de doses foram aplicadas por municípios em moradores de outras cidades. Em
média, esses indivíduos viajaram 252 quilômetros até o local de vacinação. Na
prática, a cada sete doses aplicadas no País, uma foi para alguém que teve de
sair da cidade onde mora e se deslocar para ser imunizado.
A capital paulista, por exemplo, destinou
257.159 doses para moradores de municípios vizinhos, como Guarulhos (101.681),
Osasco (37.715), Santo André (35.236), Diadema (27.758), Taboão da Serra
(27.650) e São Bernardo do Campo (27.119).
A capital fluminense aplicou 156.256 de doses
em moradores de Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João do Meriti e Belford
Roxo, na Baixada Fluminense, além de Niterói. Embora não seja ideal, esse tipo
de deslocamento é, de certa forma, esperado.
“Os municípios não são ilhas isoladas, não é
assim que funciona”, frisa o epidemiologista Diego Xavier. “A pessoa mora em
Guarulhos, trabalha em São Paulo e acaba se vacinando na capital. Mas isso
precisa ser planejado por região. E São Paulo, por exemplo, abandonou essa
estratégia, cada município está resolvendo de um jeito.”
A Prefeitura de São Paulo também já vacinou um
grupo considerável de moradores de outras capitais, como Rio (12.118), Salvador
(5.526), Belo Horizonte (3.985), Curitiba (3.961) e Brasília (3.802). Da mesma
forma, o Rio também aplicou 7.047 doses em moradores de São Paulo e outras 3.855
em moradores de Brasília.
O trabalho mostra também que mais da metade dos
municípios (2.886 de um total de 5.570) aplicou menos doses do que a média
nacional (23% de imunizados com ao menos a primeira dose). Segundo a nota
técnica, esse é um forte indicador de falha do PNI, que deveria oferecer uma
vacinação homogênea em todo o País. A falta de integração entre os governos
federal, estaduais e municipais seria responsável pela distorção.
R7