As famílias brasileiras nunca tiveram tantas
dívidas quanto agora. Segundo levantamento mais recente da CNC (Confederação
Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), o nível de endividamento
bateu recorde em agosto, atingindo 79% dos lares do país —o maior patamar desde
o início da pesquisa, em 2010.
Num cenário econômico marcado por juros altos e
inflação galopante, as dívidas acabam se transformando em outro problema: a
inadimplência. Dados do Serasa mostram que o Brasil chegou a 66,6 milhões de
nomes negativados em maio, outro recorde.
Quem quer que seja declarado vencedor das
eleições de 2022 vai assumir a Presidência com o desafio de melhorar esses dois
indicadores de consumo.
Em geral, os candidatos se comprometem com
propostas para enfrentar o desemprego e a perda de renda, o que de certa forma
tangencia os temas. No entanto, dos quatro melhores colocados nas pesquisas
—que juntos representam cerca de 90% das intenções de voto— apenas Ciro Gomes
(PDT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fazem menção direta ao endividamento das
famílias nos programas de governo protocolados no TSE (Tribunal Superior
Eleitoral).
LULA (PT)
A campanha do ex-presidente Lula, por sua vez,
tem propostas para renegociar as dívidas de famílias e empresas. O plano de
governo protocolado no TSE diz que a ideia é fazer isso por meio dos bancos
públicos e de incentivos para que as instituições privadas ofereçam condições
adequadas aos devedores.
Segundo Guilherme Mello, professor da Unicamp e
um dos responsáveis pelo programa econômico do PT, a proposta envolve duas
frentes de atuação: uma para as dívidas bancárias e outra para as dívidas
não-bancárias, que incluem redes de varejo, serviços de água, luz, gás e
telefone.
No caso das dívidas bancárias, o objetivo é
incentivar as instituições a reconsiderar descontos, prazos e custos para o
pagamento em modalidades como cartão de crédito, cheque especial e empréstimos.
Isso seria feito por meio da disponibilização de uma parte dos depósitos
compulsórios que os bancos fazem junto ao Banco Central.
Para enfrentar as dívidas não-bancárias, Lula
anunciou o programa “Desenrola, Brasil”, cuja proposta é criar condições para
que consumidores com dívidas em atraso e já incluídos em cadastros negativos
possam renegociar seus débitos e limpar o nome.
Seria criado um fundo garantidor de crédito
para viabilizar a renegociação, constituído por um aporte do governo, via
orçamento ou títulos da dívida, por exemplo. “Tenho falado que é uma espécie de
parceria público-privada. O setor público catalisa um fundo garantidor, e o
setor privado entra com descontos, parcelamentos e taxas de juros menores para
as dívidas”, diz Mello.
Segundo o economista, a ideia é fazer o
programa em fases, começando com famílias que ganham até três salários mínimos
e expandindo para as demais faixas de renda.
JAIR BOLSONARO (PL)
O presidente Jair Bolsonaro (PL) não apresentou
oficialmente um plano para enfrentar a inadimplência ou as dívidas dos lares.
De acordo com um integrante da campanha, o candidato à reeleição não propõe um
perdão, desconto ou refinanciamento de débitos contraídos.
A aposta seria numa espécie de “ciclo da
prosperidade”, que começa com o aumento do emprego, levando a um aquecimento do
consumo e maior arrecadação de impostos. Dentro desse modelo, as pessoas
passariam a ter mais condições de quitar suas dívidas e menos necessidade de
contraí-las.
Além disso, Bolsonaro também considera o
Auxílio Brasil uma política para amenizar o endividamento, tendo em vista que o
pagamento não é cortado caso o beneficiário encontre um emprego formal —que
passaria a ter uma “renda extra”.
Recentemente, o presidente ainda anunciou o
empréstimo consignado ligado ao Auxílio Brasil. Contudo, na avaliação de
especialistas, a oferta de crédito para famílias de baixa renda e em situação
de vulnerabilidade social tem potencial para aprofundar ainda mais as dívidas.
CIRO GOMES (PDT)
Lula introduziu a ideia de negociar as dívidas
das famílias com o sistema financeiro durante entrevista ao Jornal Nacional, no
dia 25 de agosto. Na ocasião, Ciro Gomes o acusou de copiar uma proposta que
marcou sua campanha de 2018, na qual enfatizou que tiraria o nome dos
brasileiros do Serasa.
O candidato do PDT trouxe o “SPCiro” novamente
para a corrida eleitoral deste ano, que consiste num refinanciamento governamental
dos débitos com taxas de juros menores e prazos mais longos de pagamento.
O economista Nelson Marconi, coordenador do
programa de governo do Ciro, diz que não se trata de um perdão aos devedores e
destaca que, atualmente, o próprio mercado financeiro já está renegociando as
dívidas com deságio, ou seja, por um valor menor.
“O que estamos propondo é que os bancos
públicos comprem essa dívida num leilão reverso —onde ganha quem vender por um
valor mais baixo—, passe a ser o credor e refinancie o débito do devedor. A
diferença é o prazo maior, estamos propondo 36 meses, e taxas de juros
menores”, afirma.
Outra proposta de Ciro para enfrentar o
endividamento das famílias é o que vem sendo chamado de “Lei da Antiganância”.
A proposta trata da proibição de que os bancos cobrem mais do que o dobro do
valor de um empréstimo ou de uma dívida no cartão ou cheque especial. Na
prática, a pessoa que quitar o equivalente a duas vezes a quantia da operação
terá seu débito liquidado.
A proposta vem sendo chamada de tabelamento dos
juros, mas Marconi diz que isso só aconteceria se o governo definisse um prazo
para os pagamentos.
SIMONE TEBET (MDB)
A candidata do MDB não faz menção ao
endividamento familiar em seu plano de governo. Procurada para falar sobre as
propostas de campanha sobre o tema, a assessoria de Simone Tebet enviou uma
nota com medidas que procuram dar mais segurança ao sistema financeiro e
baratear o crédito.
“Incerteza política e intervenções atabalhoadas
exigem elevações na Selic e prejudicam o mercado de crédito. Logo, primeiro
precisamos de um governo competente, responsável e sério”, diz.
A assessoria da candidata também menciona o
estímulo a novas instituições financeiras —a fim de promover competição e
barateamento dos serviços— e a criação de um mecanismo de compartilhamento de
informações para que os bancos tenham dados mais detalhados sobre os tomadores.
Uma outra via de atuação é o fortalecimento das
garantias. Segundo a campanha de Tebet, a execução de garantias ainda é morosa
e cara, sendo necessário simplificar os processos e diminuir a insegurança
jurídica.
“Isso não significa incentivar o banco a tomar o bem de uma pessoa, de um empresário, mas sim saber que ele está colocando esse bem em garantia porque tem condições e intenção de pagar o empréstimo. Isso se reflete numa taxa de juros menor e em mais crédito”, afirma a nota.
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