domingo, 5 de junho de 2022

Movimento defende retração da economia para salvar o planeta

 


Quem acredita que o crescimento exponencial pode durar para sempre num mundo finito ou é louco ou é um economista”. A autoironia do americano Kenneth Boulding está na essência de um movimento que quer rivalizar com o atual paradigma econômico global: o degrowth.

O termo -que em português significa decrescimento- é quase autoexplicativo. Para os adeptos, é preciso abandonar a expansão da economia como um objetivo político e aceitar que a retração é a única forma de salvar o planeta de uma catástrofe climática. O modelo guarda certa proximidade com o ecossocialismo e, embora seja uma tendência relativamente marginal, vem ganhando espaço no debate ambiental.

Em 2019, mais de 11 mil cientistas assinaram uma carta pública alertando sobre os desafios do clima e defendendo uma mudança de paradigma. “Nossas metas precisam mudar do crescimento do PIB e da busca da riqueza para sustentar os ecossistemas e melhorar o bem-estar humano, priorizando as necessidades básicas e reduzindo a desigualdade”, diz o texto.

Figuras políticas também já declararam apoio às ideias do degrowth, como o ministro do Consumo da Espanha, Alberto Garzón, e alguns partidos verdes da Europa. Atualmente, um dos principais pensadores desse movimento é o antropólogo Jason Hickel, autor do livro “Less Is More: How Degrowth Will Save the World” (menos é mais: como o decrescimento vai salvar o mundo, em tradução livre).

Segundo ele, não é possível conciliar expansão econômica e o fim das mudanças climáticas. Nem mesmo uma rápida guinada verde -com empresas e governos adotando princípios ambientais e sociais rigorosos- seria capaz de impedir um destino trágico para a humanidade.

“A evidência empírica é clara de que não é viável descarbonizar rápido o suficiente para ficar abaixo de 1,5º C se os países ricos continuarem buscando o crescimento”, diz, em entrevista à Folha de S.Paulo. O que é degrowth? Hickel define o degrowth como uma redução planejada do uso de energia e de recursos em países de alta renda, como estratégia para rebalancear a economia e reduzir desigualdades.

“Trata-se de reduzir as formas de produção menos necessárias e concentrar a economia em atender às necessidades humanas e ao bem-estar, em vez da acumulação de capital”, afirma. Segundo ele, essa contração não precisa necessariamente acontecer globalmente. O foco são as nações ricas, principalmente Estados Unidos e países da Europa.

Na prática, o antropólogo defende diminuir as indústrias que considera ecologicamente destrutivas e socialmente menos necessárias, como combustíveis fósseis, fast fashion e até as SUV’s. A obsolescência programada deveria ser proibida e a publicidade, limitada.

Em contrapartida, o degrowth é a favor da expansão de setores como energias renováveis, saúde pública, agricultura regenerativa e serviços essenciais. “Temos que transformar ativamente o sistema econômico para torná-lo mais ecológico e mais justo. Isso requer políticas fortes”, diz. “É necessário um movimento social e político para trazer esse tipo de mudança”, acrescenta.

Como ficariam os países pobres? Uma das críticas ao movimento é que, embora bem intencionado, ele acabaria prejudicando ainda mais os países pobres. No entanto, na visão de economistas que defendem o degrowth, isso não aconteceria necessariamente. Hickel, por exemplo, questiona o atual arranjo econômico mundial, onde nações emergentes e menos desenvolvidas se dedicam a produzir o que os países ricos consomem. Segundo ele, esse “perfil exploratório” seria alterado também.

“Na economia global existente, os países pobres são drenados de suas riquezas e recursos para apoiar o crescimento dos países ricos. Precisamos sair desse sistema e, em vez disso, buscar a soberania econômica e a integração regional no [hemisfério] Sul”, afirma. Além disso, a redução na produção das grandes potências criaria espaço no “orçamento global de carbono”, permitindo que os países mais pobres continuem crescendo.

De acordo com o antropólogo, o decrescimento econômico tampouco seria um entrave para garantir a alimentação e sobrevivência de uma população crescente. Na visão dele, é possível proporcionar bons padrões de vida para 10 bilhões de pessoas com menos energia que o mundo atualmente usa. A questão está em organizar a produção de bens em torno das necessidades humanas, não do lucro corporativo. Qual o problema do crescimento econômico? Durante os últimos 200 anos, o mundo ficou consideravelmente mais rico. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o crescimento foi ainda mais intenso –especialmente na Europa, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia.

No entanto, apesar de avanços mensuráveis na mortalidade infantil, saneamento e alimentação, a maior parte do planeta continua pobre, com milhões de pessoas passando fome e sem acesso a recursos básicos. De acordo com os “degrowthers”, o crescimento econômico foi capturado por uma pequena elite, tornando-se pouco eficiente, injusto e antiecológico.

Além disso, uma grande parte dos recursos que a humanidade usa e depende é baseada em serviços ecossistêmicos limitados. Sendo assim, o crescimento econômico infinito num mundo finito seria, materialmente, impossível.

Em 2011, uma pesquisa da Universidade de York, no Canadá, comparou as emissões de carbono canadenses em três trajetórias hipotéticas até o ano de 2035. Mantendo a atividade econômica como é (“business as usual”), as emissões cresceriam indefinidamente. Limitando o crescimento a zero, elas diminuíram, mas de forma modesta. Apenas no cenário de decrescimento, o carbono foi reduzido em larga escala.

O principal argumento entre os adeptos ao degrowth é que o atual modelo econômico, baseado no crescimento exponencial, é a raiz dos problemas ambientais. Degrowth ganhou força com a crise climática O conceito de decrescimento começou a surgir no início da década de 1970, após a publicação do livro “A Lei da Entropia”, de Nicholas Georgescu-Roegen. Contudo, o movimento realmente ganhou corpo com o agravamento das mudanças climáticas.

Para sustentar o avanço do PIB -e não necessariamente o bem-estar das pessoas-, nações continuam explorando recursos naturais, destruindo ecossistemas e consumindo combustíveis fósseis. O próprio PIB como ferramenta de medição de crescimento é questionado. Nesse caso, não apenas pelos economistas do degrowth. Em um livro de 2019, Abhijit Banerjee e Esther Duflo, vencedores do Prêmio Nobel de Economia, apontaram que um PIB maior não significa necessariamente um aumento no bem-estar humano.

Na verdade, a busca por esse objetivo pode ser contraproducente. “Nada em nossa teoria ou nos dados prova que um PIB per capita mais alto é geralmente desejável”, escreveram. Crescimento verde não é solução Para o degrowth, apostar numa virada verde da economia para conter uma catástrofe climática também não é racional. Segundo Hickel, nem sequer existem evidências empíricas que dão suporte a esse argumento.

Numa era de emergência ecológica, ele diz que não podemos nos dar ao luxo de construir políticas em torno de fantasias. Para o antropólogo, a recente febre ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês) tampouco tem sido impactante.

“[O ESG] trouxe algumas pequenas mudanças aqui e ali, mas esse tipo de ajuste nas bordas não vai resolver realmente. Nos piores casos, é apenas greenwashing. Precisamos levar a sério as mudanças mais radicais e sistêmicas se quisermos resolver os problemas. A crise ecológica e a crise da desigualdade não podem ser corrigidas dentro do sistema econômico existente. Elas são os sintomas desse sistema”, afirma.

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