A geração Z, formada pelos nascidos entre 1995
e 2010, desconhecem o mundo sem internet. E essa constatação talvez faça você
pensar: “que sorte a deles” (“ou que sorte a minha”, se nasceu nesse intervalo
de tempo), afinal o conhecimento e as facilidades que a vida online trazem são
um verdadeiro milagre humano dos tempos modernos.
Porém, infelizmente, a internet também tem seu lado sombrio (e eu nem me refiro aos crimes ou fake news), que muitas vezes são imperceptíveis, principalmente para esse público. Me refiro aos níveis de bem-estar social e emocional desses jovens, que são os mais baixos entre todas as gerações, segundo uma recente pesquisa de uma empresa de consultoria empresarial americana, a McKinsey & Company. Essa falta de equilíbrio emocional interna e externa tende a levar ou elevar as doenças psíquicas desses jovens.
Nesse mesmo caminho, a University College London (UCL) revela que as redes sociais estão diretamente relacionadas a casos de depressão desse público, sendo que as meninas são duas vezes mais propensas do que os meninos. Nesses casos, os motivos seriam o assédio online, o sono precário e a baixa autoestima, acentuada pelo tempo nas mídias sociais.
O psiquiatra Mateus Freire explica que ainda não se sabe ao certo se as redes sociais são a causa ou a consequência desses transtornos, ou ainda, se é um ciclo vicioso, onde um se alimenta do outro. “Existe por um lado problemas que podem levar a um dano na saúde, mas muitas vezes a pessoa pode já estar com o problema e o comportamento excessivo acaba sendo uma válvula de escape. Eu acredito que seja um pouco dos dois. Muitas das coisas que são veiculadas nas redes sociais agravam os quadros de saúde mental, mas muitas vezes o jovem está procurando o uso da tecnologia para tentar lidar com um sofrimento que já vinha acontecendo”, detalha o médico.
Do real para o virtual
Apesar de se tratar de um universo, pelo menos estruturalmente falando, sem preconceitos e discriminações, a cultura da sociedade em que estamos inseridos nos faz levar esse padrão para o ambiente online e essa reprodução é parte responsável por esses números, principalmente os relacionados a mulheres.
Freire explica que o público feminino já é a maior vítima da depressão e esse dado do ambiente virtual é apenas um reflexo disso. Para tal, ele apresenta dois dos fatores principais, sendo um deles a busca por cuidados: “as mulheres buscam mais ajuda, têm uma tendência maior a identificar os traços e falar sobre esses sintomas”.
Porém, o médico salienta que a depressão tem a ver com a relação social. “Nas redes sociais as mulheres estão mais propensas a agressões e microagressões do que os homens, principalmente no que diz respeito a aparência. Há uma preocupação, um monitoramento excessivo (no comparativo com os homens) em relação ao peso, ao se mostrar e ao se portar de determinada forma. É muito diferente ser uma mulher na rede social, do que ser um homem”, esclarece Freire.
Um dos provocadores dessa situação é uma indústria que veicula esse tipo de conteúdo para as meninas como forma de capitalização. São expostos ideias de aparência, dietas, produto de “beleza” e outros. “É como se a rede social veiculada para o público feminino já criasse um ambiente que acentua essas questões. As adolescentes e jovens estão em uma fase vulnerável e podem acabar se vitimizando com isso”, define o psiquiatra.
Ainda segundo a pesquisa da McKinsey & Company, um dos fatores que coloca geração Z nessa situação mais sensível seria a forma como eles gerenciam os problemas relacionados a saúde comportamental. Ao perceber que se enquadram em um problema de ordem psíquica, esse jovem tende a buscar ajuda online. Tiktok, Reddit, páginas de terapeutas no Instagram e até aplicativos relacionados são a busca imediata desse público. Sem uma ajuda específica, o tratamento ideal é retardado e, segundo Freire, quanto mais tarde se deixa para fazer o tratamento, maior a chance de manifestar problemas mentais quando adultos.
Agora as preocupações são outras
Essas situações não são novas para nenhuma geração, mas é preciso perceber que a Z enfrenta dilemas relativas ao seu tempo, que estão relacionadas ao mundo virtual, onde tudo circula muito rápido e atinge muito mais gente. “A preocupação que o adolescente tem hoje é diferente da preocupação dos adolescentes dos anos 80. Sofrer bullying pelo Twitter, Whats… Além de ser exposto, de uma forma tão rápida e tão fácil, a conteúdos que incitam tantos problemas”, exemplifica Freire.
Entender que isso é um processo natural e que mecanismos precisam ser criados para o cuidado com esse público que nem sempre verbaliza o que sente é o caminho. “Com a hiperconectividade a gente em acesso a tudo ao redor do mundo e é muito ruim ver o noticiário. Tem muita coisa que dá muito medo: mudança climática, guerra, pandemia… por conta disso há uma impressão que a essa geração está correndo mais riscos do que as outras, mas isso vai aparecer em todas as gerações”, tranquiliza Freire.
Para evitar que as redes sejam condutoras de questões psíquicas, o indicado é evitar o excesso, ou seja, aquilo que sobra e lhe impede de socializar, praticar atividades físicas, dormir o tempo necessário. Perceber que horas longe da internet são intermináveis e que há uma necessidade em se conectar a qualquer custo é certamente um sinal de perigo, que pode ser percussor de problemas relacionados à saúde. Evite o feed infinito.
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