A Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) determinou na manhã desta quinta-feira a suspensão cautelar do uso e
da importação da proxalutamida no Brasil. A decisão foi tomada por unanimidade
pelos diretores da agência, incluindo o diretor-geral, Antonio Barra Torres.
A Anvisa também determinou a criação de um dossiê sobre os produtos a base da droga usados no país e a apuração de “possíveis infrações sanitárias” cometidas pelos importadores da proxalutamida na apresentação de documentos com o objetivo de “induzir a agência na anuência de importação irregular de medicamentos para uso em humanos”.
Em suma: a suspeita da Anvisa é de que os responsáveis pela importação da proxalutamida tenham apresentado documentos inadequados ou mesmo falsos para conseguir liberar a importação.
A proxalutamida vem sendo tratada pelo presidente Jair Bolsonaro como a nova promessa de cura contra a Covid-19. Trata-se de um bloqueador hormonal desenvolvido na China, que também está em teste para o tratamento do câncer de próstata.
O grupo que promove a proxalutamida como opção no tratamento da Covid-19 é liderado pelo endocrinologista Flavio Cadegiani, que assina os estudos conduzidos no país autorizados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Os testes usaram medicamentos importados na modalidade remessa expressa da Anvisa, que autoriza a entrada de medicamentos no Brasil para desenvolvimento de estudos científicos.
Mas os estudos realizados no Brasil estão sendo investigados tanto pelo Ministério Público Federal do Amazonas como pelo do Rio Grande do Sul, por variadas suspeitas de irregularidades tanto na administração do medicamento como na compilação dos resultados. No caso do Sul, foi constatada inclusive a realização de um ensaio clandestino em um hospital militar, sem a autorização da comissão de ética.
Com a decisão da Anvisa, a importação da proxalutamida fica suspensa para todas as pesquisas científicas em curso no Brasil. As apurações a respeito da importação do remédio ficarão a cargo de três gerências da Anvisa.
As supostas infrações na apresentação de documentos serão investigadas pela Gerência Geral de Portos, Aeroportos, Fronteiras e Recintos Alfandegados, a de Inspeção e fiscalização Sanitária e a de Tecnologia e Serviços em Saúde..
Trecho do despacho da diretoria colegiada da Anvisa que determinou suspensão do uso e importação da proxalutamida no Brasil. Foto: Reprodução O dossiê sobre a proxalutamida, “a fim de mitigar o risco para os usuários desses produtos”, ficará com a Gerência Geral de Inspeção e Fiscalização Sanitária.
A agência reguladora também determinou que sejam notificados todos os serviços de saúde “supostamente envolvidos na condução de pesquisas científicas com a substância”, tarefa da Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde.
A Anvisa também oficiará a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para ter acesso às pesquisas aprovadas da proxalutamida, o status dos testes, a dosagem estipulada em cada um deles e as instituições que foram autorizadas a receberem os ensaios.
Como já mostramos na coluna, a comissão identificou uma série de falhas graves no estudo conduzido no Amazonas, incluindo a não comunicação de óbitos ocorridos durante o estudo. Já os ensaios no Rio Grande do Sul, revelados pelo portal Matinal, foram realizados sem a autorização do órgão, o que é altamente irregular.
No início de agosto, a Justiça do Amazonas atendeu a um pedido da rede de hospitais privados Samel, onde pacientes receberam a proxalutamida, e determinou a remoção da internet da série de matérias sobre as irregularidades constatadas nos ensaios clínicos conduzidos em hospitais do estado.
Na semana retrasada, Cadegiani e Zimerman compartilharam no Instagram um texto admitindo que o grupo não seguiu as diretrizes regulamentadas pela Anvisa e a Conep para a realização de procedimentos científicos no Brasil, uma obrigação prevista no Código Penal.
“Decidimos que entraves e burocracias inadequadas não podem atrasar ainda mais a divulgação e publicação de resultados de grande importância para saúde pública mundial, em plena pandemia”, escreveu o endocrinologista. “Determinados tipos de deficiências das instituições não podem frear o avanço da pesquisa estritamente ética e inclusive mandatária do ponto de vista moral, tendo em vista os resultados”.
Blog Malu Gaspar – O Globo
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