Vírus é o principal
causador de câncer de colo de útero.
O Ministério da Saúde
anunciou esta semana a incorporação ao Sistema Único de Saúde (SUS) de um teste
para detecção de HPV em mulheres classificado pela própria pasta como inovador.
A tecnologia utiliza testagem molecular para a detecção do vírus e o
rastreamento do câncer do colo do útero. Professor e pesquisador da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o ginecologista Júlio César
Teixeira conduz, há quase sete anos, um programa de rastreamento de HPV que
utiliza o teste agora será disponibilizado na rede pública.
Em entrevista à
Agência Brasil, o médico confirmou o caráter inovador do teste e explicou que a
proposta é que ele passe a substituir o exame popularmente conhecido como
Papanicolau. Ainda de acordo com o ginecologista, a tecnologia permite que a
testagem seja feita apenas de cinco em cinco anos, enquanto o rastreio do HPV
pelo Papanicolau deve ser realizado a cada três anos. Teixeira também detalhou
a relação da infecção por HPV com alguns tipos de câncer que vão além do câncer
de colo de útero, como o de boca, na vulva, no pênis e no canal anal. Para o
especialista, a testagem do HPV, somada à vacinação precoce em adolescentes com
até 15 anos, pode mudar o cenário de saúde pública no país. Atualmente, 16
mulheres morrem por câncer de colo de útero no Brasil – uma a cada 82 minutos,
com idade média de 45 anos. “Isso poderia ser evitado. Esse é o nosso foco”.
Confira os principais
trechos da entrevista:
Agência Brasil: Nesta
sexta-feira (8), o Ministério da Saúde anunciou a incorporação ao SUS de um
teste para detecção de HPV. O que o senhor tem a dizer sobre essa nova testagem
no país? Júlio César Teixeira: O teste, em si, é realmente inovador no sentido
de que ele acaba detectando mais lesões pré-câncer que o antigo Papanicolau.
Então, você acaba não deixando passar mulheres que têm lesões e você antecipa
os diagnósticos em até 10 anos. É um teste feito por máquina, ou seja, tem um
erro próximo de zero, enquanto o Papanicolau tem muitas etapas onde há muita
interferência humana e, por isso, acaba tendo um pouco mais de dificuldade.
Essa dificuldade do
Papanicolau faz com que ele seja feito a cada três anos nas consultas de
rotina. O teste de HPV, por ser mais eficiente, é feito a cada cinco anos.
Quando ele dá negativo, a mulher pode ficar 100% tranquila por cinco anos. Agência
Brasil: Esse teste já vinha sendo usado no Brasil na rede particular e agora
passa a ser incorporado na rede pública? Teixeira: Sim, ele já existe há alguns
anos. Está disponível na rede particular, mas nem todos os planos de saúde
cobrem até hoje. O pessoal que tem acesso utiliza porque ele tem uma facilidade
e uma vantagem: de partida, ele é mais caro que o Papanicolau, mas, na verdade,
acaba compensando porque você acaba prevenindo mais e, naquelas mulheres que
teriam lesões, você detecta em fase bem Inicial, ou seja, com tratamento bem
mais barato. Ao final, na hora em que você coloca para gestão de um plano ou de
um programa, ele acaba sendo mais econômico do que o que já se gasta com o
Papanicolau.
Agência Brasil: Do
ponto de vista do tratamento e da possibilidade de cura, qual é a diferença de
se detectar uma lesão de HPV bem no início e outra já em estágio mais avançado?
Teixeira: O Papanicolau também detecta as lesões no início, mas,
proporcionalmente, o número de casos detectados é menor. Então, a gente está
falando em quantidade de casos, ou seja, em não deixar escapar uma mulher que
tem uma lesão significativa, que pode não ser detectada e que vai ser detectada
só dali três anos. Com o teste de HPV, isso tende a não acontecer. E, quanto
menor a gravidade da lesão, mais fácil, inclusive, dela se curar sem
tratamento.
Às vezes, a gente só
acompanha e, quando existe uma lesão que precisa de tratamento, os tratamentos
são os mesmos. A diferença é que realmente o teste de HPV antecipa esse
diagnóstico. A gente utiliza essa tecnologia no SUS de Indaiatuba desde 2017.
Já estamos no sexto ano desse programa e nós identificamos que, quando a gente
faz, com alta cobertura, nas mulheres de Indaiatuba, aumentamos a detecção dos
cânceres que iriam aparecer nos próximos 10 anos na cidade e trouxemos esses cânceres
para fase microscópica, ou seja, com tratamentos mais fáceis e próximos de 100%
de cura. Essa é a vantagem do teste.
Comparando teste por
teste, ele tem essas vantagens pontuais. Mas só vai funcionar se ele estiver
inserido em um programa organizado, onde você tem o controle da população que
está fazendo os testes de prevenção e, principalmente, daquelas que não estão
fazendo, para chamar e fazer. Agência Brasil: O senhor acredita que, com essa
incorporação de tecnologia, podemos pensar em aposentar o Papanicolau? Ou ele
segue como método preventivo para outras doenças?
Teixeira: O
Papanicolau vai ser substituído pelo teste de HPV como primeira abordagem, como
um primeiro teste. Vai ser um pelo outro sim. É assim que é feito. É uma
substituição mesmo. Só que, em 10% dos casos, vai ser detectado algum tipo de
HPV que não é tão grave, mas também não é tão leve. Nesses casos, a gente faz o
teste de Papanicolau no mesmo material já colhido. Então, o teste de
Papanicolau vai ser utilizado, com uma outra tecnologia um pouco mais moderna,
mas no mesmo material já colhido, em 10% dos casos.
Ou seja, uma de cada
10 mulheres que vai fazer o teste de HPV vai acusar uma situação intermediária
e aí vai ser feito um Papanicolau para auxiliar com mais informações e indicar
qual o melhor caminho para a condução desse caso. Agência Brasil: Falando
especificamente sobre o HPV, a gente conhecia antigamente como um tipo de
doença sexualmente transmissível (DST) e hoje é classificado como uma infecção
sexualmente transmissível (IST)?
Teixeira: Isso, mas é
apenas uma nomenclatura. De todas as pessoas, homens mulheres, todas, até o fim
da vida, 80% vão ter contato com algum dos HPV. São vários tipos, você tem aí
uns 25 que acometem a região genital e alguns deles são relacionados ao câncer.
Então, o que acontece? Quase todo mundo vai ter. Oitenta por cento é um número
alto. Vai ter contato sim, vai ter essa IST. Só que a grande maioria, 90%,
elimina em até 24 meses o vírus, por meio da resposta imunológica da pessoa. A
maioria das pessoas têm uma infecção transitória e vai se curar. O problema é
aquela infecção que fica persistente por anos, sem dar sintomas. Aí, vai dando
lesões ali no colo do útero, por exemplo, mas pode dar também no canal anal, na
vulva, no pênis, na boca. Há vários locais onde pode haver lesões pré-câncer. O
colo de útero é o principal.
Basicamente, ali é o foco principal porque há muitos casos e a proporção
de câncer por HPV no colo do outro é de 99,9%, ou seja, praticamente não há
câncer no colo do útero se não houver HPV. Aí, entra a vacinação precoce. Se a
gente vacinar a população inteira abaixo dos 15 anos, esse câncer vai sumir. Só
que, enquanto isso não acontece, porque demoraria de 20 a 30 anos após a
vacinação nessa faixa etária para isso para acontecer, a gente continua fazendo
esses programas de rastreamento preventivos periódicos. Porque tem uma
transição longa.
Agência Brasil: É
importante destacar que precisa vacinar não só a menina como o menino também?
Teixeira: Todo mundo.
Porque você tem cânceres provocados pelo HPV em outros pontos do corpo e você
tem que bloquear a circulação do vírus na população. A gente deve vacinar todo
mundo abaixo dos 15 anos e isso está disponível no sistema público gratuitamente.
Essa vacina, hoje, está com duas doses, com intervalo de seis meses para essa
faixa de idade, abaixo dos 15 anos. Agência Brasil: Essa vacina, à época do
lançamento no Brasil, gerou uma certa polêmica. Hoje, a gente ainda percebe
resistência por parte dos pais em imunizar as crianças. O que o senhor tem a
dizer em relação a isso? Teixeira: Quase todo mundo vai ter esse contato com o
vírus durante a vida. Então, a gente tem que se prevenir. Não tem como você
evitar. Mas veja bem:
Olha um paralelo importante:
a hepatite B causa câncer de fígado e a pessoa adquire o vírus por relação
sexual e por transfusão de sangue. Na vacinação contra a hepatite B, a criança,
quando nasce, já sai com a primeira dose aplicada na maternidade desde 2004 no
Brasil. Com isso, nós já não estamos mais tendo câncer de fígado relacionado à
hepatite B nos grupos abaixo de 20 anos no Brasil. Porque todo mundo está
vacinado. E ninguém fala nada que é um vírus que se pega por relação sexual.
Então, o que que falta é orientação, educação do povo e conscientização.
Nenhum comentário:
Postar um comentário