Desde setembro, a subida da curva de pessoas
infectadas pela covid-19 ligou o alerta de autoridades entre Europa, Ásia e
Estados Unidos. Aos milhares, os casos evidenciaram o óbvio: a pandemia não
acabou. A realidade epidemiológica registrada nesses territórios preocupa, se
for refletida no Brasil, pois aqui ainda seria somada a outros fatores: a falta
de estratégia vacinal para 2023, a baixa procura pelas doses de reforço e o
desconhecimento fidedigno sobre a dimensão das infecções no país.
Semanalmente, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) divulga um relatório sobre a covid-19 pelo mundo. No documento mais
recente, divulgado na quarta-feira (2), o Brasil ocupa a quarta posição na
lista dos países com mais mortes pela doença, entre 24 e 30 de outubro. Foram
553 mortos e um crescimento de 22% nos casos da doença. Na semana anterior, o
crescimento tinha sido de 9%.
O primeiro do ranking foram os Estados Unidos,
com 3.187 óbitos. Mas foi a região europeia que se destacou no número de casos:
em sete dias, foram um milhão deles. Dos 61 países europeus, 25% relatam
aumento de casos – o maior deles, no Reino Unido, 285 mil casos em sete dias.
A OMS mostra a predominância de uma variante. A
BA.5, descendente da variante Ômicron, mapeada por aqui em dezembro de 2021,
representava 78,8% das amostras analisadas.
Em 12 de outubro, a OMS e o Centro de Controle
e Prevenção de Doenças da Europa (ECDC) emitiram uma declaração conjunta: “Não
estamos na mesma situação que há um ano, [mas] vemos os indicadores subirem de
novo, o que sugere o início de uma nova onda de infecções”.
No Hemisfério Norte, a preocupação cresce
diante da proximidade do inverno, sinônimo de alta temporada turística e
aumento das infecções pela influenza. Já no Brasil, embora as estatísticas
tenham apontado uma tendência de crescimento na quantidade de infectados, a situação
é considerada estável. Isso não
significa a inexistência de preocupação aqui no país, tanto porque a suposta
calmaria não tem sido utilizada para refletir possibilidades para um novo
cenário epidemiológico, quanto porque, desde o início da pandemia, ondas de
casos em outros países (como acontece agora) atingiram o Brasil.
A onda silenciosa: aumento de casos começou em
julho
Na recente onda de infecções pela covid-19 na
Europa, Brenda Borges, 21 anos, foi diagnostica com a doença pela primeira
vez há três meses. Desde janeiro, ela se
testou dez vezes. O estágio, organização voltada para estudantes, oferece a
testagem gratuitamente.
“MAS POUCAS PESSOAS ESTÃO COMENTANDO SOBRE
COVID ULTIMAMENTE. NINGUÉM USA MÁSCARA. ÀS VEZES, SÓ AS PESSOAS MAIS VELHAS”,
CONTA A BAIANA, ESTUDANTE DE LÍNGUAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS NA UNIVERSIDADE
DO PORTO, EM PORTUGAL.
Diagnosticados com a doença, “alguns amigos”
dela não tiveram a possibilidade de
faltar ao trabalho. “Acho que meu estágio é um ponto fora da curva”,
opina. Essa indiferença diante do avanço
das contaminações faz parte da receita para o aumento de casos, ainda composta
por ingredientes como os escapes imunológicos, ou seja, casos em que as vacinas
existentes não impedem a contaminação. No Reino Unido, já existe vacina
específica contra a Ômicron. Não é o caso brasileiro.
“A pandemia só saiu da agenda política e
midiática, mas não acabou. A Alemanha, olhei antes de conversamos, há duas
semanas estava registrando 160 mil casos por dia, depois do Ocktober Fest [festa
que leva ao país 5 milhões de visitantes]”, afirma Miguel Nicolelis,
neurocientista, médico e professor que
analisa os dados da pandemia desde fevereiro de 2020.
No Brasil, explica Nicolelis, acabamos de
enfrentar uma onda de contaminações “silenciosa”. O adjetivo cabe por, ao
menos, três razões: os casos não resultaram em um aumento das hospitalizações,
devido ao sucesso da vacinação, foram registrados em período eleitoral e,
consequentemente, o debate público não pautou o assunto.
Essa onda começou em julho, quando os
indicadores relembraram, em certos momentos, épocas graves da pandemia, no
quesito quantidade de casos. No dia 7 de julho, por exemplo, 19,5 mil casos de
covid-19 estavam ativos na Bahia, segundo a Secretaria de Saúde do Estado da
Bahia (Sesab). Em 7 de fevereiro, quando a Ômicron se fixava no Brasil, o
número chegou a ser menor – 15,6 mil.
As variantes, mutações que ocorrem em vírus em,
em circulação no mundo se mostram se mais leves, ligadas a vias aéreas. As
principais delas, no Brasil, foram a Gama, que provocou a maior crise sanitária
da história brasileira, de acordo com a OMS, Delta e a Ômicron.
“APESAR DE ESTAREM GERANDO CASOS MAIS LEVES, EU
SEMPRE DISSE QUE ESSA ERA UMA DOENÇA PARA NÃO PEGAR. HÁ MILHÕES DE PESSOAS COM
COVID CRÔNICA [QUANDO SEQUELAS E SINTOMAS DA DOENÇA SE PROLONGAM]”, ACRESCENTA
NICOLELIS.
A mudança de cenários epidemiológicos pelo país
tem levado a uma discussão sobre o retorno de medidas protetivas, como obrigatoriedade
de uso de máscaras. Enquanto, no último dia 30 de outubro, brasileiro iam às
urnas, trabalhadores eram mantidos sob isolamento compulsório em uma fábrica
chinesa. Depois de um surto de covid-19, funcionários da Foxcoon, uma das
maiores fornecedoras da Apple no mundo, foram confinados dentro do complexo. Na
última terça (1º), viralizaram nas redes sociais cenas em que os confinados
fogem em massa dos seus locais de trabalho.
É que, na China, impera a política “Covid
zero”, com testagem em massa da doença e isolamento obrigatório dos
diagnosticados. No caso da fábrica em Zhengzhou, isso pode reduzir a produção
do Iphone em 30%, segundo a mídia
estatal chinesa, justamente na época em que o aparelho é mais cobiçado – as
festas de fins de ano.
Por Fernanda Santana / Correio 24h
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