sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Cade abre investigação contra Datafolha, Ipec e Ipespe por suposto “cartel” de pesquisas

 




Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aponta erros, além da margem de erro, em pesquisas eleitorais dos institutos Ipec, Ipespe e Datafolha no 1º turno. O presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Alexandre Cordeiro Macedo, pediu nesta quinta-feira (13) que seja aberta investigação contra institutos de pesquisas eleitorais por supostos erros nas sondagens feitas no primeiro turno.

 

O documento de dez páginas com o pedido, a que a CNN teve acesso, foi encaminhado ao superintendente-geral do órgão, Alexandre Barreto. Nele, Macedo diz que “erros foram evidenciados pelos resultados das urnas apuradas, quando se constatou que as pesquisas de diferentes institutos de pesquisa, tais como o Datafolha, Ipec, Ipespe, dentre outros, erraram, para além das margens de erro, nas pontuações em relação a alguns dos candidatos.”

 

No documento, o Cade citou levantamento feito pela CNN sobre a diferença entre as pesquisas e os resultados das urnas (veja abaixo) para embasar o pedido. O texto menciona que pode ter havido infração a legislação concorrencial e possível infração a ordem econômica. A Lei de Defesa da Concorrência, no. 12.529/2011, no caput do art. 36 afirma que: Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I- limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciava.

 

Ainda, no mesmo artigo 36, mas agora no §3o, I, a Lei descreve o ilícito de cartel afirmando que é infração a ordem econômica:

 

I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:

 

a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;

b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;

c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;

d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública.

 

Isso porque, segundo o presidente do Cade, “as análises servem para demonstrar que é improvável que os erros individualmente cometidos sejam coincidência ou mero acaso, ou seja, que mesmo valendo-se de metodologia conhecida e supostamente segura não se espera que um instituto de pesquisa possa apresentar uma discrepância tão grande entre a sua pesquisa e a realidade, sem que haja um viés”, diz.

 

“Ainda mais estranho é perceber que não só um instituto cometeu o “erro” acima referido, mas diversos institutos, fazendo levantamentos supostamente independentes, erraram coletivamente, apresentando pesquisas completamente dissociadas da realidade e todas apontando para o mesmo sendo. Os erros não foram aleatórios, todos convergiram para a mesma direção”, afirma o presidente do Cade, Alexandre Cordeiro.

 

Ele afirma, ainda, que: “para piorar, o fato mais estranho e o que verdadeiramente chama a atenção da autoridade antitruste é que não bastasse os improváveis resultados errôneos apresentados individualmente, não bastasse também os erros coletivos na mesma direção, três institutos de pesquisa, Ipec, Datafolha e Ipespe apresentaram resultados idênticos quanto a diferença entre os candidatos, 14%”.

 

E conclui: “Sendo assim, diante da improvável coincidência, especialmente em relação os erros cometidos em um mesmo sendo e idênticos quanto a diferença entre os candidatos, e, ainda, frente a ausência de qualquer racionalidade (pelo menos por hora) que explique o fenômeno, pode-se concluir que há indícios de suposta conduta coordenada ou conclusiva e também de efeitos unilaterais por parte dos institutos Ipec, Datafolha e Ipespe devendo a Superintendência-Geral do Cade instaurar inquérito administrativo para apurar os fatos narrados e pacificados no art. 36, caput, §3o, inciso I, alíneas a,b,c, inciso II, e inciso VIII, da Lei nº 12.529/2011.”

 

Procurado pela CNN, o Ipec afirmou que “lamenta mais essa iniciativa contra os institutos de pesquisa, que apenas cumprem o seu papel de mensurar a intenção de voto do eleitor, baseado em critérios científicos e nas informações coletadas no momento em que as pesquisas são realizadas”. “As variações entre as pesquisas e o resultado das urnas no 1º turno da eleição presidencial coincidirem em quase todos os institutos apenas demonstram a adoção de princípios estatísticos e modelos que suportam a atividade de pesquisa.

 

Além disso, o Ipec é uma empresa de capital privado e que atua de forma independente, sem ligação alguma com qualquer grupo econômico ou com qualquer outra empresa de pesquisa, pautando a sua conduta profissional e empresarial em princípios éticos, razão pela qual o Ipec repudia veementemente ações baseadas em teorias que querem confundir e induzir a sociedade à desinformação, com o claro propósito de desestabilizar o andamento das atividades de pesquisa”, afirma o instituto de pesquisa.

 

A CNN também entrou em contato com os institutos Ipespe e Datafolha e aguarda retorno.

 

Pesquisas erram e divergem dos resultados das urnas

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu 48,43% dos votos válidos no 1º turno, contra 43,20% do presidente Jair Bolsonaro (PL), com 99,99% das urnas apuradas. Os números das urnas contrastam com as pesquisas eleitorais divulgadas na véspera. Na véspera das eleições, Lula tinha 50% das intenções de votos válidos, enquanto Bolsonaro aparecia com 36%, segundo pesquisa Datafolha. No mesmo dia, pesquisa Globo/Ipec mostrou o petista com 51%, e o presidente, com 37%. Ambos os levantamentos tinham margem de erro de dois pontos percentuais.

 

Os institutos erraram as projeções mesmo considerando a margem de erro, especialmente em relação aos votos para Bolsonaro.

 

Após o 1° Turno, o Ipec soltou um comunicado sobre os resultados das urnas. Na nota, o instituto disse reforçar o “compromisso de buscar soluções que eventualmente possam ser agregadas ou consideradas em conjunto com a sua metodologia e procedimentos operacionais”, mas que esse processo “ requer tempo” e cita o desafio de divulgar dados “de uma eleição onde a divisão do país representa uma maior dificuldade em se fazer estimativas”.

 

À época do levantamento realizado pela CNN, ao ser procurado pela reportagem, o Datafolha também se manifestou.

 

“O Datafolha entende que as pesquisas não podem ser lidas como uma previsão do resultado da votação, mas sim retratar as preferências eleitorais no momento em que são feitas. Diferentes abordagens de diferentes institutos mostraram as mesmas tendências ao longo das semanas que antecederam a votação”, explicou o instituto no documento, que continua. “O Datafolha mostrou durante a disputa presidencial que Lula [PT] sempre esteve na frente, e que seu adversário mais próximo sempre foi Jair Bolsonaro [PL]. Esses dois candidatos sempre tiveram, também, os votos mais cristalizados, enquanto Ciro Gomes (PDT), por exemplo, tinha 41% de eleitores que poderiam mudar de voto até o dia da eleição. Nas últimas três pesquisas antes do 1º turno, o Datafolha já vinha apontando a perda de votos de Ciro Gomes – o voto útil, neste caso, beneficiou mais

o atual presidente do que seu adversário”, afirmou o Datafolha.

 

“Desde o início da campanha, o Datafolha realizou sete pesquisas sobre a disputa presidencial, e o conjunto de informações trazidas por elas são coerentes, sólidas e ajudaram a população a se informar sobre o processo eleitoral. As movimentações do eleitorado nos momentos finais da eleição são tomadas também por causa dessas informações, entre várias outras fontes que fortalecem e legitimam a escolha do eleitor no momento da votação. Diante desses resultados, reafirmamos o caráter de diagnóstico das pesquisas, e não de prognóstico, e a total imparcialidade e transparência do Instituto Datafolha e sua equipe nas fases de captação e divulgação das opiniões e preferências dos eleitores brasileiros”.

 

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