Brasil registrou queda de professores formados
para dar aulas das principais disciplinas escolares.
Em quatro anos, o Brasil registrou queda de
professores formados para dar aulas das principais disciplinas escolares. Das
onze áreas de formação específica para lecionar na educação básica, oito
tiveram redução de concluintes.
As licenciaturas de biologia, química, geografia, ciências sociais, educação física, filosofia, letras e história tiveram menos formados em 2020 do que em 2016, segundo os últimos dados disponíveis do Censo do Ensino Superior. O estudo foi feito pelo Instituto Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior).
Os dados fazem parte da pesquisa “Risco de Apagão Docente”, feito pela entidade, e servem como um alerta sobre a possibilidade da falta generalizada de professores no país diante da crise vivida na profissão. Para especialistas da área, os jovens que saem do ensino médio não são atraídos para a docência devido à desvalorização da carreira.
A redução de professores especialistas formados afeta sobretudo os alunos mais velhos, dos anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano) e do ensino médio. Ainda que o país apresente um número estável de professores da educação básica nos últimos anos (2,19 milhões de 2014 a 2020), os especialistas indicam que já há déficit desses profissionais em alguns locais.
Neste ano, São Paulo, estado mais rico da federação e com a maior rede estadual de ensino, não conseguiu contratar professores em número suficiente para implementar o novo ensino médio. Apesar de uma contratação emergencial ter sido aberta, houve falta de docentes principalmente para os itinerários formativos, que tem como objetivo aprofundar os estudos em determinada área do conhecimento.
O estudo mostra que os cursos com maior redução de formados foram biologia (com diminuição de 24,8% de formados no período), química (-19,9%), geografia (-19,7%), ciências sociais (-18,9%) e educação física (-18,2%).
Filosofia (-13,5%), letras (-12,3%) e história (-9,2%) também tiveram diminuição no número de formados neste período. Os únicos cursos com pequeno aumento foram matemática (aumento de 1,8%), artes visuais (2%) e física (9,2%).
“Outras carreiras acabam sendo mais atraentes por terem melhores salários e condições de trabalho. Até mesmo dentro dessas áreas de estudo, muitas vezes acaba sendo mais vantajoso trabalhar como bacharel do que como professor”, avalia Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp.
Os cursos com maior crescimento de formados no período analisado –e que mascaram a queda dos demais cursos quando se agrupa todas as licenciaturas– foram os de formação em educação básica e educação especial. Em geral, essas são graduações cursadas por pessoas que já atuam em sala de aula e estão se especializando. Ou seja, os formados nesses cursos não vão se tornar novos professores.
É o caso de Ana Luiza Santos, 37, que está fazendo uma segunda graduação em educação especial. Formada em pedagogia e professora de educação infantil, ela buscou um curso a distância para se qualificar e buscar empregos com melhor remuneração.
“Eu amo o que faço, mas continuar na profissão está cada vez mais difícil, principalmente, por causa dos baixos salários. Esse talvez seja meu último investimento para continuar como professora, espero que a segunda graduação me traga melhores oportunidades”, diz Santos, que dá aula em uma escola particular na zona leste de São Paulo.
Ela diz que, em sua turma da graduação, a maioria dos colegas já atuam em sala de aula. “São pessoas que querem uma especialização para receber uma proposta melhor ou assumir cargos de gestão. Eu, com 37 anos, sou uma das mais novas da turma.”
Para Caetano Siqueira, coordenador do Movimento Profissão Docente, é urgente que o Brasil avalie e busque estratégias para melhorar as condições de trabalho dos professores. Ele ressalta que as melhorias não devem ser apenas salariais, mas também estruturais.
“Muitos fatores têm afastado as pessoas da sala de aula. A violência, a pobreza, a falta de estrutura. Ainda temos escolas sem água e sem banheiro. A valorização da carreira passa por esse caminho longo de melhorar as condições da educação”, diz.
Raul Araújo, 23 anos, é um dos jovens que faz parte dessa minoria. Ele decidiu que queria cursar letras e ser professor dois anos após ter saído do ensino médio. A decisão veio depois que ele começou a frequentar slams (batalhas de poesia) e tomou gosto pela literatura e cultura. Para ele, a profissão seria uma forma de levar esses interesses para outros jovens.
Araújo está no último período da licenciatura em letras no Instituto Singularidades. “Desde que eu decidi ser professor, alguns parentes tentam me dissuadir. Dizem que vou ganhar mal, que as condições de trabalho são ruins. Dizem pra procurar outro curso, ir fazer TI (tecnologia da informação) ou engenharia”, conta.
Ainda que entenda a preocupação por já enfrentar os desafios da profissão antes mesmo de se formar, Araújo diz não ter sido desencorajado. “Me entristece saber que a docência é vista dessa maneira. Os jovens deveriam ser incentivados a seguir uma carreira tão importante, mas acontece o contrário. Isso deveria ser um sinal de alerta para o país.”
Apesar da persistência, ele já tem encontrado dificuldade para exercer a profissão, principalmente, pela baixa remuneração. Segundo ele, os empregos e estágios que encontra em escolas pagam menos do que ganha atualmente como tradutor de textos.
Ele recebeu, por exemplo, uma proposta de estágio em uma escola particular na zona sul de São Paulo, mas a vaga não tinha nem o pagamento da condução. “Eu moro em Itaquera [zona leste da cidade], ia gastar todo o salário em transporte. Falta condições mínimas para a gente poder trabalhar.”
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