O número de adolescentes entre 13 e 15 anos que
dizem não ter amigos cresceu no Brasil, de acordo com um levantamento do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números fazem parte
da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE – divulgada na última
quarta-feira (13). O problema atinge 3,2% dos estudantes das escolas públicas e
particulares do país. Mas o Distrito Federal superou a média nacional: em
Brasília, entre 2012 e 2019, o índice passou de 3,2% para 4,4%. O levantamento
aponta que a tendência afeta mais as meninas e os estudantes da rede pública.
Especialistas ouvidos pelo g1 destacam os
motivos e as consequências desse cenário para a saúde mental dos adolescentes.
Para Ricardo Barros, professor de psicologia do Ibmec Brasília, a tecnologia
leva parte da culpa pelos resultados apresentados no levantamento. “Todo esse
aparato tecnológico do século 21 tem funcionado como algo que tem roubado nossa
atenção. A primeira atenção que sequestra é a no outro”, diz o professor.
Para Barros, as pessoas encontram “satisfação”
ao interagir com as mais variadas tecnologias. “No fundo, estamos todos
viciados. É um fenômeno sociocultural que está em todas a gerações”, aponta. A
analista do IBGE Michella Reis diz que a relação dos adolescentes com a família
chama atenção. Segundo ela, houve uma redução no número de responsáveis que
acompanham as atividades e escutam os filhos. “Esse é um fator que contribui
para o aumento de comportamentos de risco, porque a família é base. É a família
que orienta esses adolescentes”, diz a analista.
Quando a solidão, que Barros define como uma
epidemia mundial, entra na equação, ela passa a prejudicar as relações futuras
dos jovens. “Não fomos feitos para sermos solitários. Fomos feitos para
conviver em redes”, aponta o especialista. Para o psicólogo, a sociedade está
desaprendendo a conviver com o próximo e o resultado é o aumento de agressões e
reações negativas ao comportamento do outro.
“NESSE TIPO
DE CULTURA, DE ESTRANHAMENTO COM O OUTRO, A GENTE VAI FICANDO MUITO REATIVO A
CONSTRUIR E MANTER PONTES RELACIONAIS”, DIZ O PSICÓLOGO.
A saúde mental é a primeira a sofrer com a
escassez de relações. Segundo Barros, quatro hormônios são produzidos pelo
corpo durante as interações sociais: ocitocina, dopamina, endorfina e
serotonina, considerados os hormônios da felicidade. Para uma pessoa solitária,
há déficit na produção.
Meninas são maiores vítimas
O levantamento aponta que as meninas são as
principais vítimas da solidão. Entre elas, o índice variou de 1,8% para 5%, em
7 anos. Entre os meninos, a tendência é oposta: o total que diz não ter amigos
caiu de 4,9% para 3,8%. Para o psicólogo Ricardo Barros, a inteligência
emocional do feminino pode afetar as relações com o outro, a partir do momento
em que, para as mulheres, seria mais fácil “perceber os ambientes onde há falta
do espaço de diálogo”. O professor explica que, nesses casos, as mulheres se
fecham para as relações.
A analista Michella Reis destaca a
interferência da imagem corporal para a autoestima dessas meninas e,
consequentemente, para a habilidade de se relacionar em grupo e serem vistas.
Segundo a pesquisa do IBGE, no Distrito Federal, quase um terço dos estudantes
entre 13 e 15 anos se consideram magros ou muito magros. Na outra ponta, 29%
das estudantes se consideram gordas ou muito gordas. Para Michella, padrões de
beleza impostos pela sociedade e o patriarcado contribuem para essa
insatisfação.
“AS MENINAS TÊM SEMPRE UMA IMAGEM CORPORAL PIOR
QUE A DO HOMEM. ELAS SOFREM MAIS BULLYING, SE SENTEM MAIS GORDINHAS”, AFIRMA A
ANALISTA.
Escola pública x privada
A pesquisa do IBGE aponta ainda que a diferença
é maior quando o comportamento é comparado entre a rede pública e a rede
privada:
Escolas públicas do DF: 5,6% dos adolescentes
dizem não ter amigos
Escolas particulares do DF: 0,7% dos
adolescentes diz não ter amigos
O psicólogo Ricardo Barros afirma que o
desenvolvimento das relações requer instâncias que nem sempre estão presentes
em ambientes de maior vulnerabilidade social. Ele lembra que a realidade entre
os estudantes dos colégios públicos e privados é muito diferente.
“TEM ALUNO
QUE SAI DA ESCOLA E VAI PARA O TRABALHO, TEM ALUNO QUE VAI COM FOME, QUE TEM
RISCO SOCIAL”, APONTA O ESPECIALISTA.
Quanto maior a vulnerabilidade, mais difícil
“criar amizades”, explica o professor de psicologia. “Quanto mais inseguro e
amedrontado, mais a gente se fecha porque a gente tem medo”.
A falta de acesso ao esporte, a arte e a
cultura também interferem, diz ele.
Há solução?
Para o professor, há solução para o cenário
apontado pela pesquisa do IBGE. Mas ela passa pelo trabalho coletivo ente
escola, família e sociedade.
“PODEMOS
REAPRENDER A SOCIALIZAR, MAS DEPENDE DA FAMÍLIA, DAS INSTITUIÇÕES, DA ESCOLA,
DO TRABALHO. EMPATIA, CONVIVÊNCIA, RELACIONAMENTO SAUDÁVEL, TUDO ISSO PODE SER
ENSINADO.”
Políticas públicas que incentivem a criação de
espaços de recreação também são importantes, aponta o psicólogo. Além disso,
segundo ele, as famílias e os ambientes em que estão inseridas podem estimular
a convivência com o outro. A analista Michella Reis destaca a importância de
estar atento à saúde mental dos adolescentes. “Eles estão em processo de
desenvolvimento físico e mental”, afirma. Para ela, a Pesquisa Nacional de
Saúde do Escolar reforça a importância da presença de profissionais de saúde
que acompanhem os adolescentes em ambientes escolares.
“A CRIANÇA
E O IDOSO SÃO MUITO VISTOS, MAS O ADOLESCENTE AINDA É POUCO TRABALHADO.”
(CONTEÚDO G1)
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