Em meio a suspeitas de interferência do
presidente Jair Bolsonaro (PL) nas investigações que atingem o ex-ministro da
Educação Milton Ribeiro, o ministro da Justiça, Anderson Torres, publicou neste
domingo (26) mensagem em que nega ter tratado do caso com Bolsonaro. Torres
estava nos Estados Unidos com o presidente quando, segundo Ribeiro, Bolsonaro
telefonou para ele e avisou ter um "pressentimento" de que haveria
uma operação da PF (Polícia Federal) contra o ex-ministro. Como titular da
Justiça, Torres tem sob a aba do seu ministério a Polícia Federal, responsável
pela operação Acesso Pago, que prendeu e fez busca e apreensão em endereços de
Ribeiro e pastores citados em irregularidades na liberação de verbas do MEC
(Ministério da Educação).
O ministro da Justiça foi procurado na
sexta-feira (24) e não quis responder. Dois dias depois, posicionou-se em
publicação em sua conta no Twitter. "Diante de tanta especulação sobre
minha viagem com o Presidente Bolsonaro para os EUA, asseguro CATEGORICAMENTE
que, em momento algum, tratamos de operações da PF", escreveu neste
domingo. "Absolutamente nada disso foi pauta de qualquer conversa nossa,
na referida viagem." A Polícia Federal investiga o balcão de negócios no
MEC. Os pastores, ligados a Bolsonaro e Milton Ribeiro, negociavam com
prefeitos a liberação de verbas da educação mesmo sem cargos no governo.
Em um telefonema interceptado pela Polícia,
Milton Ribeiro diz que falou com Bolsonaro e este lhe adiantou que achava que
haveria operação contra o ex-ministro. A defesa de Bolsonaro nega qualquer
interferência. A conversa, entre Ribeiro e a filha, ocorreu no dia 9 de junho.
O ex-ministro diz ter falado com o presidente naquele dia, quando Bolsonaro e
Torres estavam em viagem. A cronologia dos atos dentro da investigação mostra
que, em 9 de junho, o delegado Bruno Calandrini já havia solicitado as buscas e
apreensões contra Ribeiro.
O pedido foi feito em 4 de abril e autorizado
pelo juiz Renato Borelli, da Justiça Federal do Distrito Federal, em 17 de
maio. O suposto vazamento da operação e a suspeita de interferência de
Bolsonaro na investigação resultaram em pedido do MPF (Ministério Público
Federal) para que o caso fosse enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal). A
própria PF também investiga as acusações do delegado Bruno Calandrini, feitas
no dia da prisão do ex-ministro, sobre uma suposta interferência indevida no
caso. A Folha de S.Paulo apurou que a ida de Torres na comitiva com Bolsonaro
foi decidida de última hora e que, a princípio, não havia previsão para o
ministro acompanhá-lo na Cúpula das Américas.
O atual diretor-geral da PF é Márcio Nunes,
amigo de Torres -ele era secretário-executivo da Justiça antes de ser nomeado
como chefe do órgão. Ribeiro foi preso na quarta (22) e solto no dia seguinte
por decisão do juiz federal Ney Bello, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da
1ª Região). As investigações de um balcão de negócios no MEC miram também os
pastores Gilmar Santos, Arilton Moura, o ex-assessor do MEC Luciano de Freitas
Musse e Helder Bartolomeu, genro de Arilton. O grupo dos pastores negociavam
liberação de recursos federais da educação com prefeitos, além de comandar
parte da agenda do ministro em eventos fora de Brasília. Musse, Helder e o
genro do pastor Gilmar, chamado Wesley Costa de Jesus, receberam depósitos em
tratativas de para realizar um encontro com Ribeiro no interior de São Paulo.
O episódio se transformou em uma crise para o
governo a poucos meses da eleição. Milton Ribeiro se desligou do cargo uma
semana depois que a Folha revelou áudio em que ele diz priorizar pedidos do
pastor Gilmar sob orientação do presidente Bolsonaro. Os desdobramentos da
operação Acesso Pago arrastaram pela segunda vez em três anos e meio a Polícia
Federal para dentro de uma investigação sobre interferência política e
expuseram novamente as tensões internas no órgão, alimentadas pelas seguidas
crises no governo Bolsonaro.
Entre policiais, a leitura é que uma nova crise
interna se instalou a partir da revelação da Folha da mensagem em que o
investigador relata a colegas que a investigação foi prejudicada por um suposto
tratamento diferenciado dado ao ex-ministro. LINHA DO TEMPO 18.mar.2022 - O
jornal O Estado de S. Paulo publica reportagem sobre pastores que atuam junto
ao MEC por liberação de verbas 21.mar.2022 - A Folha revela áudio em que o
ministro Milton Ribeiro diz priorizar prefeituras cujos pedidos de liberação de
verba foram negociados pelos pastores Gilmar e Arilton, atendendo a uma
solicitação do presidente Jair Bolsonaro. Revelação faz situação do então
ministro se agravar 23.mar.2022 - O procurador-geral da República, Augusto
Aras, pede ao STF a abertura de inquérito contra Milton Ribeiro para apurar
suspeitas de prática dos crimes de corrupção passiva, tráfico de influência, prevaricação
e advocacia administrativa 24.mar.2022 - A ministra Cármen Lúcia, do STF,
autoriza abertura de inquérito contra Milton Ribeiro 28.mar.2022 - Milton
Ribeiro é exonerado do Ministério da Educação e deixa carta em que afirma que
revelação de áudio pela Folha fez sua vida mudar 4 abr.2022 - Polícia Federal
pede ao STF para que houvesse interceptação telefônica e busca e apreensão
sobre Milton Ribeiro e os pastores Gilmar Santos e Arilton 12.abr.2022 -
Complementação do pedido da PF para inclusão das medidas também contra Luciano
Musse, ex-assessor do MEC 5.mai.2022 - Após a exoneração e perda de foro de
Ribeiro, Cármen Lúcia manda processo para ser distribuído na 1ª instância da
Justiça Federal 17.mai.2022 - Juiz Renato Coelho Borelli, da Justiça Federal do
Distrito Federal, dá primeira decisão autorizando grampo telefônico, quebra de
sigilo e buscas e apreensões no caso 9.jun.2022 - Em interceptação telefônica,
Milton Ribeiro diz à filha que recebeu naquele dia um telefonema do presidente
Jair Bolsonaro no qual ele teria dito estar com um "pressentimento"
de que haveria busca e apreensão. Nesse dia, Bolsonaro estava nos Estados
Unidos em companhia do ministro da Justiça, Anderson Torres 20.jun.2022 -
Borelli autoriza medidas mais duras contra Milton Ribeiro e os pastores Gilmar
Santos e Arilton Moura.
Para eles, foi determinada a prisão preventiva.
Além disso, ele autoriza a prisão domiciliar de Luciano Musse e de Helder
Bartolomeu, além de quebras de sigilo bancário 22.jun.2022 - A operação Acesso
Pago é deflagrada e o ex-ministro é preso. Ligação interceptada pela PF mostra
esposa de Milton Ribeiro afirmando que marido "não queria acreditar",
mas os "rumores do alto" apontavam que uma operação iria ocorrer
23.jun.2022 - A Folha revela mensagem de delegado da PF responsável pelo caso
em que ele afirma ter havido interferência na investigação. TRF-1 manda soltar
Ribeiro e pastores 24.jun.2022 - O juiz Borelli determina o envio dos autos ao
STF novamente, ao mencionar o telefonema em que Milton Ribeiro cita o
presidente Bolsonaro.
Por Paulo Saldana | Folhapress
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